sábado, 17 de outubro de 2009

Rascunho de um conto: Jú usou uma UZI


Ju não esperou muito tempo, bastou com que lhe arrocheassem os ovos, ele comprou seu primeiro 38. Aproveitou a dispersão falimiar: a morte do avô e a meia-separação dos pais. Ambiente perfeito para alguém conseguir novos objetivos. Conseguiu fazer do caos dos parentes a sua bonança. Foi então, com 12 ou 13 anos que começou a andar armado na ruazinhas da cidade.
Na escola soube que em algum momento e lugar, os homens matavam-se uns aos outros e depois comiam a carne com satisfação; também sabia que fazia parte de sua formação os filmes sobre a paixão de Cristo que via todo natal na Assembléia de Deus. Morte e salvação, já ouviram falar nisso? Ele sempre ouviu a história do menino assassino, sabem?
É assim: "Num bar da Transamazônica, um menino rolava bolas sobre a mesa de cinuca. Chega um adulto e empurra o Zé, o nome dele sempre era algo genérico mesmo, que enfurecido avança sobre o adulto e é afastao de novo na porrado. Chorando, o Zé fala que ele espere, que vai na casa dele busca a espingarda; que espere que ele via morrer agorinha. O adulto ri, todos no buteco riem do menino. Começam o jogo. Passa algo em torno de dez minutos e se ouve um "ei?". Todos olham, o Zé equilibrando uma escopeta caseira. Dispara, parte o peito de seu agressor em três pedaços".  Jú ria sonhador, o olhar perdido em algum ponto do horizonte do belo. Sua mãe sabia que havia algo de místico nesse olhar: era o mesmo de sempre. Fosse em frente à televisão, fosse nos cultos de terça-feira, ele sempre tinha esse apego com a estética da dor e da morte de muitos. Um dia, na rua, ele conseguiu um fotograma de um filme de ação: uns 20 homens sendo metralhados ao mesmo tempo: cada um caindo para um lado, com um misura de espanto perante a morte. O cena foi filmada com uma sub-metralhadora UZI. Aquilo lhe pareceu lindo, e era. Ele decidiu comprar uma. Mas a malvada vida, sabem, o transformou num professor.
Estudou sobre as revoluções e isso reforçou a estética do caos em movimento milimétrico, o belo da destruição. Leu sobre as chusmas vitorianas, a revolução haitiana, sobre a revolta dos moradores contra os humildes ônibus, discutiu o assalto à delegacia no Maranhão e convenceu-me que os populares estavam certos; que tinham que destruir a delegacia, o forum, o hospital municipal e a Igreja como o fizeram  aqui no Pará, há dois anos. Dizia que esperasse, que o mundo ia se fuder rápido: e que ele estaria esperando, como Nero, ao ver o fogo em Roma, a beleza, o belo que muda o mundo em algo melhor. Citava Shakespeare: Um céu tão sujo não se limpa sem uma tempestade." Contudo, ele me contou algo mais interessante. Uns delírios, algo que viveu com um amigo, o professor Rafael, numa cidade de fronteira, há menos de seis meses. Acredito que por isso estejam aqui. O senhor se acalme que eu vou chegou lá.
Me disse que já havia compra a UZI mesmo antes da defesa de doutorado, que estava com ela no dedo, por de baixo da mesa, quando foi arguido, e que por pouco não acabou com aquilo. Mas o que querem saber é sobre a história no bar. Isso nunca aconteceu, foram apenas delírios.

Bem, foi assim:

"Estavam bebendo uma cerveja e chegou uns caras, com um golf branco. Estacionaram o carro ao lado da mesa do dois, do Jú e do professor Rafael. Começaram a fazer graça, foi isso. O carro tinha a suspensão a ar e era controlada por controle-remoto", pode? "Ele foram provocados. Jú estava com um problema: os alunos dele tinha criado um problemão, se recusado a fazer a prova. Ele estava mal. E o caras lá com o negócio, levantavam, baixavam, levantavam de novo. Cego, o Jú arrancou a UZI, e metralhou o carro! Eles so bateram na polícia porque vocês se meteram na história."

Depois do caos, detidamente apreciado pelo olhar sonhador do atirador, ele fugiram ruma à fronteira de Minas. Ninguém mais ouviu falar deles. Nem sei o porque estou aqui? Ele não veio pra cá, não sei dele. Procurem no Tocantins.

O delegado chegou e pegou o depoimento no chão. Ajudou os dois soldados se levantarem e pergutou ao cabo Silva onde estava o cuturno dele. "Ele levou." E como diabo vocês me explicam isso? Um professorzinhoa qualquer bater em dois policiais e um escrivão e fugir assim. Vamos caçar esse miserável.

Notícia de Jornal: O Liberado, 19/10/2009. "Um individuo que dava aulas na faculdade no sul do Pará era na verdade um procurado pela polícia por metralhar um bar em Itumbiara, Goiás. Depois de agredir alguns policiais, ele fugiu. Ninguém sabe para onde."

3 comentários:

  1. Plábio diz:
    Essas experiências de fronteiras me faz lembrar como o "conhecimento local" na verdade é mais revelador do que se imagina...e a violência além de sua beleza também tem lá seus mistérios...imagina é a prova de um novo macunaíma...

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  2. A estética da dor e da morte. Tô sem palavras.

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  3. 'Jú estava com um problema: os alunos dele tinha criado um problemão, se recusado a fazer a prova. Ele estava mal.'


    Não tão mal quanto os alunos que se rebelaram contra Ju estão agora, garantoooo! O trem ta TREVAS!

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