segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Erráticas

Ultimamente

estou como o personagem do Calvino, que vai de romance em romance... Acabo abandonando a leitura e decido meaventurar nas ruas, nas ondas largas da gíria dos  vendedores de rua, nas estética das putas donzelas, nos lugares sujos, no baixo meretrício, no centro antigo, nodoso da cidade impotente. O lugar da literatura é a Europa, me digo, lá as pessoas não tem mais nada que fazer; acabam escrevendo livros. Como deixar o sabor de um chambarí pelos versos extrangeiros? O vigor de uma panelada, que vem com pelos menos dez histórias de acompanhamento, por um objeto de papel, quadradinho, de um centímento de altura? Como não ficar o dia inteiro zazando no mercado, na feirinha, sentindo os cheiros dos peixes recém abatidos, dos peixes genéricos amestrados em cativeiros; sentindo o sabor dacarne de porco macho, criado no bosteral;  sentido o cheiro das ervas daninhas, daquelas que servem pra amarrar, num saia, um macho: oo cravinho, aa arruda, oo mói d`couve, oo abacaxizinhos, aa buchinha milagrosa, aa alfavaca, aa gengibre penetrante, aa catuaba da boa, aa alfazema da amazônia, aa sacupira; e os óleos, de copaíba,  de pequi - esse um perfume quase profético - , ah, do óleo do babaçu que dizem é todo um macho; como não enlouquecer ao sentir todos os arromas, as cores e os sabores da pubinha - De Carolina, essa aqui; aquela, do Pará, essa outra de Xambioá, essa aí vem dos sem-terras, a outras fui eu mesmo que fiz; como não acabar o dia na pracinha da rodoviária, trombar com os mendigos, tomar uma Chora Rita com eles esfregar os dedos uns nos outros, sentir a nódoa  do lugar. Ah, ouvir suas mentiras de bamburro e fêmeas etéreas, suas frases perfeitas, seu compromisso profundo com a vagabundagem, como não chorar com eles suas mágoas, que injusto o mundo, que um macho acaba sem sua puta.  Como não ficar emocionado ao descer de um Trans, bêbado bosta, um amigo de infância que você não vê há quinze anos?  Como não olhar para a BR e desejar que ela fosse um rio, sim, que por ali passasse cardumes de peixes elétricos; de barcos de imigrantes, que ela fosse a casa do nego d`água, esse sacana que só presta pra ficar virando as canoas de padres. Como não desejar ver a água passando ao invés de viajantes sonambulos que chegam às cinco da manhã e perguntam Que lugar é esse? Uai, é aqui. A fronteira, num sabe não, é? Aqui, o quilombo maior do mundo. Se eu fosse você, de verdade, ficava.

Policial: "Mas que diabo o sr., professor, está fazendo nessa porra de Rodoviária às cinco da manhã? E nessas condições."
Eu: "Uai, Nada!"

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Desejo selvagem



Tarzán num momento complicado
Um dos meus textos preferidos

 não levou à discussão que eu imaginava. Só um comentário. Nele eu havia descrito as ínfulas de superioridade dos brancos sobre os seres da fronteira, negros, indígenas e mestiços de toda ordem.
Porém, surgiram algumas discussões via msn. Uma dela acabou levando à questão da sexualidade, do desejo. Fico impressionado, dizia a meu interlocutor, com o fato de que alguns que aqui chegam logo logo assumem publicamente o projeto de comer todas as mulheres da cidade, num período recorde de um ano. Mas, entenda-se, "comer". "Pra casar busco uma no sul", me dizia um amigo um dia desses. Outro desses recém-chegados, que está trepando em média com quatro mulheres diferentes por semana, tem a mania de, no dia seguinte dizer, "Aqui só tem puta mesmo. Mulher aqui não vale nada! A partir de hoje vou ficar quieto." Não resiste, contudo, e na noite seguinte lá está ele jogando a sua macheza nas ruas da cidade. No dia seguinte, de novo, a mesma ladainha. De dia, culpa; de noite, desejo.
Esses exemplos mostram mais que a formação do ego masculino na fronteira. Mostra a ambivalência de certas relações que foi resolvida, em partes, na minha cabeça, com a leitura do livro de Robert Young, "O desejo colonial: hibridismo em teoria, cultura e raça." Quer dizer: Young afirma que no centro da expansão da discussão racista durante o imperialismo está a culpa inculcada nos europeus -e nos ingleses, sobretudo - pelo desejo ardente de possessão sexual do outro, do negro, do indígena, do indiano. Isso foi um dos motivos que levou, segund ele, a se gastar tanta tinta na tentativa de bloquear o contato sexual interracional. Como a civilização e seu representantes se deixariam levar pelos seus sentimentos mais "impuros", como?
Quanto aos meus amigos aí, do mesmo modos que nos machões ingleses do século XIX, fica a ambivalência e a hipocrisia. Eles tem que civilizar - já que são representantes da expansão do Estado por esses terras -, portanto, o moralismo é um de seus instrumentos. Isso até as dez. Depois  ninguém é de ninguém. A sociedade de fronteira, que criticam tão durante durante o dia, se torna o lugar de formação de suas identidades e experimentos caligulescos. Aqui, acreditam, vão realizar todos os seus desejos. Depois se casarão com uma comportada esposa, e a condenarão a uma vida sem prazer. A matarão aos poucos, a isolarão do mundo; não permitirão que ela saia, temem desde já que ela se infecte (sim esses são os termos que usam) com o vírus do amor louco e da moralidade estapafúrdia.
Mas na fronteira, as coisas sempre são definidas em termos locais, como diria Sahlins. Um terceiro, descobriu, e está perplexo, que havia virado mercadoria barata nas mãos de algumas senhoritas, que elas estavam combinando, quem ia "pegá-lo" durante a semana e quem iria fazê-lo na semana seguinte. Que as suas conquistas eram planejadas e manipuladas, via orkut, msn, celular, twitter, pelas conquistadas. De caçador à caça. Que elas estavam testando o seu sexo; queriam saber se ele é o que diz; e pior: Que algumas não gostaram do resultado. "É bobo" escreveu uma. Outra porém foi mais impiedosa: "Tem o pinto pequeno", postou no twitter.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Um ano

Fez, ontem, um ano que fui ao Acre.