quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Raízes

"Tá tudo ótimo" foi o que ouvi da karajá Maria do Socorro. A reencontrei hoje. Depois das férias, na "aldeia" ela dizia estar pronta "pra outra". Ela estava com a sua filha, uma karajá, que posso dizer sem nenhuma dúvida é a criança mais linda que já vi. Seu nome é Amanda Karajá.Sua beleza e  força impertinente de Maria do Socorro levam a acreditar que esse povo, que provavelmente viveu nos arredores do Araguaia nos últimos dez mil anos, vai continuar por aqui, pelos próximos dez mil.
O olhar penetrante de Amanda desafia a antropologia dos céticos.
Tudo começou quando um karajá viu um buraco e saiu de dentro do rio para ver o que tinha lá fora. Viram e gostaram, voltaram e contaram para os outros que lá fora era bonito. Alguns decidiram migrar de dentro do rio para suas margens e suas proximidades. Outro ficaram lá, no fundo do rio. Construiram, na parte de fora do rio, aldeias, das quais ainda existe algumas, e começam a se dedicar a nobre arte de viver a sua vida sem incomodar ninguém. Com os seus olhares de povos do rio viram muita coisa: bandeirantes, missionários, expedições, fazendeiros, construtores de estradas, criadores de gado. Gente simples que diziam que os karajá estavam, no século XIX, à beira do fim. E eles aí, nas margens do rio, seguindo a piracema, cultuando e cultivando as águas diaspóricas. Viram o rio ser invadido pelo nego dágua, pelas Nossas Senhoras, pela mitologia do progresso; continuaram olhando o seu rio correr, esperavam as chuvas, a seca, a madioca e a caça. A vida ir e vir, o ciclo do mundo. Todos tranquilos, de boa. Placidamente.

E eu aqui com essa gastrite queimando e como essa pinga que não mitiga minha errância, minha falta de lugar. Perdido na feirinha às 4 da madruga.