terça-feira, 17 de agosto de 2010

O macho ibérico

Sabem, o macho ibérico é uma instituição trágica: os espanhóis ainda são os europeus que mais assassinam sua esposas, amanntes, namoradas, namorados, etc. Mas existem alguns momentos menos trágicos, é claro.
É impressionante, para um filho da fronteira, curtido em narrativas de machões, putas e tiroteios em busca de glória e bamburro, chegar numa das cidades mais importantes da Europa e dar de cara, na Calle Montera, com um buquê de putas boas vindas de toda parte. Na esquina com a  Gran Vía, existe um restaurante. Ali ia muitas vezes pastorear minha insônia e ver as meninas desfilarem sua glória.
Muitas delas eram do Leste europeu. Isso fazia minha imaginação aflorar, dominada que ela estava pelo cinema em lata e pela literatura russa. Mas nunca tive a coragem de comprar sexo de uma eslava pura. Sempre tive uma questão em mente: o que se fala para uma puta? Como se aborda a criatura sem desumanizá-la. A professora Sariza me convenceu um dia, que tive a feliz sorte de perguntá-la, que não havia como comprar sexo e não desumanizar. Devia-se chegar e ser direto: "Cuánto para joder com usted, señorita?" Isso era o que deveria ser dito; isso elas ouviam. Fiquei pasmo - nada do romantismo das narrativas da fronteiras, do amor louco entre putas e machões, que se apaixonam, fogem por estradas viscinais e alcançam o louvor público da memória épica. Essas aqui, Jú, cortou, a professora Sariza, são putas industrializadas.... pelo tráfico humano.
Mas a vida imita a narrativa, quer dizer. Um dia, nem imagino em que data, fomos obrigados a acordar muito cedo; íamos sei lá pra onde e saímos do Metrô na Gran Vía quanto o sol subia entre os edifícios. Vimos um cena digna de El Cid, o grande pai do machismo ibérico. Um senhor de uns oitenta e tantos anos havia contratado os serviços de uma puta linda, que sem roupa quase, caminhava, muito constrangida pelo visto, braços cruzados, pela rua, esperando o seu cliente superar os degraus, as calçadas. Ele com a lentidão de quem não tem mais nenhuma pressa na vida. Ela com a pressa de uma linha de montagem. 
Ficamos olhando, paramos para ver para que lado iam. Desceram para a Plaza de España. Lembrei que ali, naquela Plaza, há uma estátua do Quijote. Perguntei à professora Sariza: "O que eles vão fazer? Ela vai matá-lo". "É melhor morrer assim" respondeu ela, sem piedade. O pior é que ele não virou narrativa, pensei; ninguém contou seus méritos de macho de última volta. Ninguém sabe seu nome. Um autêntico - o último talvez -, dos machos ibéricos. Segui meu caminho.