sexta-feira, 28 de maio de 2010

Qualíngua?

Às vezes fico pensando que eu falo outra língua. Que o máximo que fiz foi aprender a escrever - a estrutura toda ficou ligada ao mundo real, quer dizer: oral. A um mundo onde a língua é, de modo essencial, poética - que não permite a tradução. A transcriação. Onde falar não quer dizer explicar, que as palavras se associam pelo ritmo e não pela lógica da coerência nominal. Os texto que envio, tímido, ao corretor voltam denotativo: sem conotações. Não me permitem escrever pela sonoridade. Digo: isso vale porque foi dito e não porque significa algo. Não posso me perder, me deixar levar pelos labirintos, que porra!, querem que eu seja claro, objetivo. Mas como: se eu nem sei mais que significados atribuir às palavras; devia ser permito ouvir uma conversar como se ouve música. Devia ser permitido inventar, à todo momento, significados novos. Que ninguém se preocupe: vamos nos entender como um estrangeiro entende em terra dos outros. Afinal, somos isso mesmo: estrangeiros do mundo real. Nosso verdadeiro mundo é a palavra. A única prova de que existimos, disse um poeta.

Claro às vezes isso pode ser trágico: dou um exemplo. Há duas semanas um cidadão da fronteira, de Marabá, Jarimar, disseram esse era o seu nome. Jarimar estava abrindo a porta do carro quando ouviu "não disse que ias me pagar?" O outro sacou algo - uma gramática, pensaram os errantes fugitivos do sol. Inclusive Jarimar. Mas era um pistola ".40" que foi disparada 4 vezes. Contaram que a última coisa que Jarimar disse foi "que porra de pistoleiro esse? Que fala  'ias me pagar'" e morreu.

Nessa mesma viagem: quando pisei na margem paraense do Rio Araguaia senti que o âmbito do mundo, quer dizer das palavras mundava, ganhava outra densidade. O motorista da Van olhou e informou com um olhar injetado "segurem-se, vai ser legal." Não precisou dizer nada - todos entendemos que iríamos nos aventurar a uns 150 por hora numa das estradas mais perigosos do mundo, quer dizer, do Pará. Íamos guiados pelo vento ouvindo as vozes dos outros sem entender porra nenhuma do que se dizia ao lado pela algazarra de vozes, como um sinfonia, tocavámos e nos ouvíamos. Nisso estávamos quando apareceu uma manada de cavalos no meio da pista e aí sim todos nós entendemos porque todos gritamos "égua! Tudo se fudeu!"