domingo, 20 de maio de 2012


A biografia dele mesmo



O seu nome é Oliva. O verde sempre foi sua cor favorita e, como eu, a sua mais antiga lembrança é a chuva caindo sobre as Mangueiras. Eu nunca me decidi o lugar onde ele nasceu, mas poderia ser em Redenção; lá ele também cresceria, como eu, e os amigos de minha infância. Assim como eu, ele gostaria de procurar e encontrar riachos caudalosos para cruzar.
Mas, ele não sou eu. Ele possui memórias só dele, e que eu não sei de onde vieram. Ele lembra de uma difusa madrugada; dele, caminhando na noite pela cidade, até ouvir o assobio de madeira da IMASA e se dar conta que já eram seis da manhã.
Por exemplo, ele se lembra de Isabella, essa moça que eu nunca vi, essa garota que ele amou em um domingo de manhã quando ela saiu da Igreja e um raio de sol cruzou o olhar dela.
Eu não sei quem foi ou é ela. Faz cinco anos eu comecei a escrever um final feliz para a história de amor. Ele, por um acaso, a encontrou em Madrid e finalmente soube que ela era filha de mãe cubana e pai etíope e que havia nascido num cargueiro estacionado em águas internacionais. Como um personagem de Cabrera Infante. E soube que o seu beijo era doce como o mel. Mas eu fui obrigado a parar o relato para preparar uma aula no momento em que eles se beijavam e esse ficou sendo um beijo eterno, preso para sempre no tempo congelado de meu conto inconcluso.
Oliva possui planos para o futuro. Ele quer reencontrar Isabella, quer ao menos ser o narrador de um conto curto onde sua história de amor possa ter continuidade. Ele pretende criar uma família e ter amigos, e fazer algum coisa louca como pular de paraquedas ou escalar uma montanha. Ele pretende, ajudar-me, o seu alter ego, a viver minha própria vida e deixa-lo viver a vida dele com Isabella, seus pais e amigos, na sua cidade e em seu próprio tempo.
Sim, ele tem algo de atrevido. Um personagem querendo assumir a narrativa – mas se ele é forte deve ser por minha fraqueza. Ou por minha incapacidade de autor de preencher com memorias melhores que as minhas, a sua existência de homem diário; autorzinho que deixou a vida dele congelada por cinco anos para se dedicar apenas à sua própria sobrevivência.