A biografia dele mesmo
O seu nome é
Oliva. O verde sempre foi sua cor favorita e, como eu, a sua mais antiga
lembrança é a chuva caindo sobre as Mangueiras. Eu nunca me decidi o lugar onde
ele nasceu, mas poderia ser em Redenção; lá ele também cresceria, como eu, e os
amigos de minha infância. Assim como eu, ele gostaria de procurar e encontrar
riachos caudalosos para cruzar.
Mas, ele não
sou eu. Ele possui memórias só dele, e que eu não sei de onde vieram. Ele
lembra de uma difusa madrugada; dele, caminhando na noite pela cidade, até
ouvir o assobio de madeira da IMASA e se dar conta que já eram seis da manhã.
Por exemplo,
ele se lembra de Isabella, essa moça que eu nunca vi, essa garota que ele amou
em um domingo de manhã quando ela saiu da Igreja e um raio de sol cruzou o
olhar dela.
Eu não sei
quem foi ou é ela. Faz cinco anos eu comecei a escrever um final feliz para a
história de amor. Ele, por um acaso, a encontrou em Madrid e finalmente soube
que ela era filha de mãe cubana e pai etíope e que havia nascido num cargueiro
estacionado em águas internacionais. Como um personagem de Cabrera Infante. E
soube que o seu beijo era doce como o mel. Mas eu fui obrigado a parar o relato
para preparar uma aula no momento em que eles se beijavam e esse ficou sendo um
beijo eterno, preso para sempre no tempo congelado de meu conto inconcluso.
Oliva possui
planos para o futuro. Ele quer reencontrar Isabella, quer ao menos ser o
narrador de um conto curto onde sua história de amor possa ter continuidade.
Ele pretende criar uma família e ter amigos, e fazer algum coisa louca como
pular de paraquedas ou escalar uma montanha. Ele pretende, ajudar-me, o seu alter ego, a viver minha própria vida e
deixa-lo viver a vida dele com Isabella, seus pais e amigos, na sua cidade e em
seu próprio tempo.
Sim, ele tem algo
de atrevido. Um personagem querendo assumir a narrativa – mas se ele é forte
deve ser por minha fraqueza. Ou por minha incapacidade de autor de preencher com
memorias melhores que as minhas, a sua existência de homem diário; autorzinho que deixou a vida dele congelada por cinco anos para se dedicar apenas à sua
própria sobrevivência.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir“Literatos e amantes possuem os mesmos motivos. Não há literatura sem dor. A arte, a verdadeira arte, nasce das ausências do artista. A beleza é o fruto do processo alquímico gestado no interior da alma. O bom artista sobrevive de ausências, pois nelas estão as futuras criações. O mesmo podemos dizer do amor. O amante nunca esgota a criatura amada, porque o esgotamento representaria o término do amor. O amor sobrevive do que sabemos, mas sobretudo do que ainda não sabemos. É a prevalência do mistério, da sacralidade, que nos faz continuar elegendo o outro como lugar e causa de nossa celebração...” (ALGUÉM)
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