O sétimo dia
De
uma conversa com a discente Santos
Nos primeiros dois dias:
De algum modo,
ele chegou mais ou menos no meio dia e atravessou, do rio ao fim da rua, todo o
povoado. Armou a rede garimpeira em uma das árvores jovens e dormiu. Os poucos
que viram sua sombra passando se esqueceram dele até que dois dias depois, alguém
notou o azul marinho da rede e chamou os outros.
Chegamos perto
e vimos aquele homem meio gordo, com dobras de gorduras rosadas avançando sobre suas calças.
O que impressionou os mais velhos foi o bem feito que eram os nós nas cordas.
Até que alguém ouviu o seu leve ressonar,
Ele está vivo! Alguém disse.
Ainda bem que
não veio morrer aqui, Maria falou.
Um dos braços
caiu para fora da rede e nós recuamos. Ele abriu os olhos, se sentou na rede e
o mais corajoso de nós disse,
Opa,
E ele
respondeu, Opa!
Maria lhe perguntou se ele estava com fome,
Estou cheio,
obrigado, respondeu.
Lhe
perguntaram o seu nome,
José, retorquiu.
Alguns dos
presentes saíram e foram retornam a seus lugares no mundo. Na banco da praça,
debaixo da mangueira, na proa da canoa, na cozinha de lenha. Do lado do rádio. Por
fim alguém disse,
Então, até
mais.
Até, até mais.
No terceiro dia:
Vê-se que ele
vem de longe. Seus pés estão cheios de calos, sua boroca, gasta, e o jeito que usa as palavras não se parece com nada que eu já vi, disse Antônio.
Maria,
torrando o café, só confirmava com a cabeça, Parace que ele é muito só. Quem
sabe ele não fica aqui?
De quem estão
falando, mãe? Perguntou Josi. Daquele que chegou, ontem? Ou antontem?
Ah, eu vi. Ela
respondeu. E saiu. Antonio olhou para ela e viu quando atravessou a porta e
foi absorvida pela luz do sol.
Às vezes me
pergunto, de que cor é ela. Ele disse. E completou, Todo dia parece de uma cor
diferente... Maria trouxe o café, que envolvia a cozinha numa densidade calma.
Desculpem,
disse José da janela. Eles se viraram e Antonio disse,
Opá.
Opá.
Opá, respondeu
José.
Maria disse
Entre, entre... vem comer algo.
Estou cheio,
respondeu José.
Ele entrou e
sentou-se,
Desculpem, repetiu. Posso tomar um pouco de café?
Maria se sentou e lhe ofereceu um copo que ele olhou com calma.
Desculpem, repetiu. Posso tomar um pouco de café?
Maria se sentou e lhe ofereceu um copo que ele olhou com calma.
O senhor veio
de onde? Maria deu o primeiro golpe.
Eu venho vindo
faz tanto tempo que nem sei mais de onde sai, ele riu.
Todos riram, inclusive Josi que havia se sentado na mesa, sem ninguém perceber. Ela olhou para ele e perguntou,
E espera chegar algum dia?
Todos riram, inclusive Josi que havia se sentado na mesa, sem ninguém perceber. Ela olhou para ele e perguntou,
E espera chegar algum dia?
Ele tomou um
gole quente de café, Sim. Eu espero. Talvez esteja chegando. Não encontrei o lugar.
E daqui, o
moço vai para onde? Quis saber Maria.
Vou ficar uns
dias, respondeu José. Talvez mais, não sei. Continuou,
Queria saber se posso ficar no rancho, por causa da chuva!
Queria saber se posso ficar no rancho, por causa da chuva!
Sim, adiantou Maria.
Antonio balançou afirmativamente a cabeça, olhando para ela, que sempre lhe adianta na conversa com terceiros.
No quarto dia:
Josi viu que
José havia transferido a rede para o rancho do paiol. Virou-se e olhou para o rio, de onde vinha a chuva. O rio fazia uma curva, quase um nó. O povoado estava na ponta de uma
espécie de península. Caminhou até o paiol.
Ele estava manipulando um pacote, um livro.
Ele estava manipulando um pacote, um livro.
Opa, ela
disse.
Opa, ouviu
como resposta.
Você quer
comer? Ela disse? Não, ele respondeu. E um café? Ela insistiu. Isso aí é a bíblia?
Jose quis saber. Nada, ele respondeu. Um livro, historinhas, a que eu mais
gosto se chama O artista...
Hein, ela
disse? O trovão! A chuva já estava começando e ela saiu correndo. José ficou
pensando, Ela não era morena ontem? Hoje está quase negra. Continuou lendo mesmo sob
o vento. Dormiu um pouco e começou a sentir que depois de anos, poderia estar
sentido algo que fosse chamado de fome.
O sétimo dia: versão de Jose
Josi perguntou
à mãe se aquilo não era doença. Dormir tanto. E também tinha o fato de que a José
nunca ninguém tinha visto comendo. Quando Josi foi ao paiol, ele
tinha desaparecido. Não havia deixado resto de nada, nem marcas das cordas nos
caibros.
Ela olhou para o rio e voltou para casa.
Ela olhou para o rio e voltou para casa.
Mãe, ele foi
embora, Josi disse ao entrar na cozinha.
O sétimo dia: versão de José
José viu, ao
acordar, que ela estava ali.
Opa, ele
disse.
Opa, ouviu
como resposta.
O que poderia
ser chamado de fome voltou a incomadar. E por isso, ele decidiu retornar ao
sono. Se deitou na rede e fechou os olhos. Pouco antes de pegar no sono, sentiu
a rede pender com a densidade de outro corpo. Corpo que aninhou a cabeça no seu
peito, se preparando para dormi com ele.
Ele sonhou que acordavam e faziam portas para o rancho, que plantavam uma orta, no fundo
do quintal, e mais adianta, quase na mata já, plantavam uma roça. No sonho ele
sentia muita fome, e ela oferecia a ele boa comida.
Eles sonharam
que numa tarde, sentado na parta do rancho, com os dedos mindinhos cruzados, tinham que descobrir um jeito de contar tudo aquilo. Ela disse a ele, Como vou fazer para por você na vida dos demais? Simples, diga que eu sou o botô. E ambos riram até o sol se por.
O sétimo dia: a versão de Antonio
Não fiquem perguntando, Não sabemos, Maria disse, se adiantando a Antonio. Ele confirmou com a cabeça.