domingo, 25 de outubro de 2009

Nas trincheiras e sob ataque...


Fronteira é o lugar onde o mundo conhecido como civilizado encontra o mundo natural. As coisas costumam acontecer assim: um processo de expansão frenético por causa de algum interesse particular. A natureza é rapidamente derrotada pela técnica e o homem civilizado domina o território com a sua infantaria de aventureiros. Essa narrativa exemplar, porém, tem sofrido alguns reveses. A natureza, ao contrário de ser derrotada e desaparecer, reorganiza suas forças, começa uma inclemente guerra de guerrilha contra os civilizados. A violência do ataque pode ser medida pelos estereótipos "lá só tem cobra, muriçoca e potó". Sinal da desilusão histórica daqueles que lutaram na infataria e foram expulsos pelas tocaias mais estrategicamente colocadas pelos generais do ecossistema.
Queria dizer que nasci no Pará, sabe, meus pais foram dos primeiros a chegar em Manuel de Freitas, hoje Xinguara. Vivi 17 anos lá, sempre havíamos lutado surdamente contra a guerrilha natural. Mas saíamos facilmente vencedores, um baigon, um foiçe, um adrin. Contudo, no meu retorno para a fronteira há três meses, percebi que algo havia mudado. Percebi uma sanha, uma insistência, um gasto inadequado de materias; isso me cheirou ao ensaio do ataque final, quando nós seremos aniquilados e varridos do território e a mata retomará seu lugar, no centro de Araguaína. E o pior, tive um sonho. Nele vi uma cidade deserta, com corpos espalhados pelas ruas, sem sangue, secando ao sol. Os telhados, negros, forrados de Urubus, que limpariam o terreno enquanto esperavam as chuvas que fariam crescer a céspede, os arbustos e demais elementos que recuperariam o lugar de onde foram desterrados em 1926. Enfim, há duas semanas, acredito, começou o que parece ser o ataque final. Estamos sob ataque cerrado de milhares de famintas muriçocas, que nós sugam o sangue e nos levam a uma morte lenta, durante o sono, por inanição. Há dois dias, o ataque foi estendido para o dia. Os potós, em perfeita sintônia tática, espargem sobres nossas peles um ácidos que a corrói em terceiro grau. Abrindo caminho para as carapanãs. Os cupins devoram os estabelecimentos públicos e em algumas casas, a luta tem sido centímento a centímento. Em nenhum dos casos restou alternativas, os moradores assustados se refugiaram nas trincheiras. O choque térmico provocado pela alternância de sol louco e chuva diluvial mina as estruturas dos edifícios, desestabiliza o alfasto e estraga o humor das pessoas. So faltam as cobras. Mas elas chegarão.... O ataque tem seguido a lógica dos conhecidos esteriótipos."Aí, Meu Deus!" grita um mulher desesperada que corre como louca na Avenida Philadéfia, sob ataque. Alguns se desesperam e saem às ruas, nisso que dá.
O cenário é o seguinte: nestas duas semanas a cidade inteira se tornou uma imensa trincheira, onde todos se escondem, alucinados, esperando o último, o final e decisivo ataque. Alguns fogem rumo ao sul. Os mais machos ficam, se afundam com a cidade. Seus hormônios serão o alimento da natureza recomposta. Símbolo de algo que os civilizados esqueceram, que tem que ser macho para estar aqui.  Começou há alguns instantes um leve tremer de terra, lento, ouço gritos de socorro pelas ruas, alguém grita que tragam soro, que tragam todosoro antiofidico que tenham. "Aí, Meus Deus..."

3 comentários:

  1. caro professor e amigo dernival,como moro em itumbiara(goiás) entendo uma pouco de desgraças naturais para quem não sabe aqui é tão quente que até o cão pede arrego, mas toda via meus problemas nem chegam perto dos seus,que em suas palavras "é só uma questão de tempo para a natureza reclamar o que em outrora ja foi dela",como seu amigo vou tentar indicar pra vc algum consolo,peço q vc assista o filme "fim dos tempos" do diretor M. Night Shyamalan, axo que vai ser de grande ajuda pra vc enfrentar seu problema. abraçu!!!

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  2. Fico aqui pensando no tênue limite entre a crônica e o ensaio. Aquela é derivada desse, diriam alguns. Mas não é essa a questão. O que se coloca aí é mesmo o caráter especulativo. Isso, em particular, me chamou a atenção. A alternância entre sol e chuva e as consequências; o mapeamento - edificio, asfalto e o humor das pessoas, todos corroídos. A fronteira, o que se passa na fronteira e viver na fronteira. Pará, Tocantins. Nossas famílias. Eles lá e nós aqui. Esse percurso que é seu, mas que pela leitura, como leitor empírico, fiz meu.
    Abraços, meu brother.
    Continue escrevendo...

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  3. como disse o Dione, não ficamos tão atras, a coisa aqui ta feia, caloor derretendo todo mundo e um monte de bichos fazendo a festa , parecendo as pragas do Egito. Se tiver um Deus aii ele deve ta fazendo graça com a nossa cara, pq isso é ironia demais.

    Abraço Dernival!

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