quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O círculo e o sonho: a 140 por hora na Contra-mão


Sei não, sei não: aqui em minha caixinha de surpresas existe uma rua chamada Cônego João Lima. A rua da cidade. Todo o comércio, popular, assaltos, policiamento reforçado. Aluguel caro. Pessoas, carros, buzinas. Um micro-cosmo, mini-cosmo, melhor dizendo. O mais importante é, porém, que ela fica em aclive. Uma subida. 
O meu amigo professor José Mário me disse outro dia, quando andavámos pela refereida avenida, que sempre foi um bom menino, mas depois de cinquenta anos as coisas se relativizam. Ele anda sonhando algo novo. Sonha que está no topo da Cônego, no sentido contrário ao trânsito, com um Caminhão Volvo 12 machas, acelerando. Queimando óleo alto. E que quando tira um pé e finca o outro, acorda. Ele respira aliviado, ainda bem.
Eu, porem, disse a ele: "Isso não pode ficar assim, uma história tão boa". Vamos terminar esse sonho no mundo real.

"De modo que aquele professor pegou, ontém a tarde, dia 15, um Volvo emprestado, acelerou, acelerou, urrou como um animal ferido, e desceu desenfreado, causando pânico, terror, e me mantando de rir, a referida avenida".


Imaginamos toda a cena, até a notícia de Jornal: "Professor da Universidade desceu a Av. Cônego na contra mão, num caminhão Volvo a 140 por hora. Perguntado pelo motivo de tal despropositada atitude, ele disse a nosso repórter ´ai, foi apenas um sonho`".
Mas o Zé não concordou com o final: "Isso de foi apenas um sonho não cola. Péssimo final. Fica um pouco..." "O quê, Zé?" perguntei. Ele olhou em volta, como procurando algo chão, e disse. "Sei não, sei não: vai que isso acaba acontecendo, bem que merecia, né?". Foi quando ouvi um apitaço viking e vi gente saindo para os lados, e o pânico do assalto de um anjo sueco de 500 cavalos  descendo como um trovão a avenida, na contra-mão. Olhei para o Zé, firme, perguntando "mas que satanás é esse?":. Ele disse: "aí oh, aqui a gente nem pode sonhar nada que vem um acaba fazendo."

4 comentários:

  1. Isto me lembra a metralhadora giratória sobre as saveiros com suspensão por controle remoto em Itumbiara. Os delírios frenéticos da destruição em massa, o pânico, o sangue jorrando e a fuga frenética rumo à fronteira (de minas).

    ResponderExcluir
  2. Acho interessante nas crônicas de Dernival o sempre deslocamento do lugar comum. Cotidiano? É próprio que seja. Mas não é um cotidiano qualquer, dito de qualquer jeito. Um sempre olhar de travessa aliado às metáforas. Impagável. "Urrou como um animal ferido". Fico com essa como sendo a do dia.
    Parabéns, brother.

    ResponderExcluir
  3. Essa experiência pode ser tranportada (tranplantada) para um prova da Copa de 2016...em tempos de ufanismo quem sabe...o mais interessante seria um monte de caminhões soltando um fumacê de diesel queimado em plena era de consciência ambiental,,hilário..

    ResponderExcluir
  4. cada dia que eu penso que você é normal, eu me afasto desse pensamento.

    ResponderExcluir