terça-feira, 24 de novembro de 2009

Entrecruzando olhares

Steve Bico,

um dos mais machos daqueles machos que lutaram contra o Apartheid na África do sul, disse uma vez a um juiz africaner: "Por quê vocês insistem em se chamarem "brancos"? São mais rosados que brancos!" O juiz havia lhe perguntado por que ele, que tinha uma tonalidade de pele mais clara, preferia que lhe chamassem de negro. Mas o que pode isso ter com a realidade araguainense de todos os dias? Nada; mas é um modo interessante de começar um texto, não é?
O fato é que, depois de ler isso em algum lugar, nunca mais pude olhar os brancos de outro modo. Para mim, eles são rosados. Corpos rosados, inteligências rosáceas, violentas. Acredito que isso se deve ao fato de que eles, quando expulsos para a fronteira, simulam uma superioridade racial, econômica, cósmica, sei lá mais eu quê; assumem ínfulas de emissários da divina providência que se manifestam de modo mais contundente na misura meio satânica com a qual investem seus rostos quando um mortal desses que vivem aqui - eu, por exemplo - se atreve a olhar nos seus olhos ou é vítima de um destino desafortunado e o seu olhar se cruza com um desses seres que acreditam, de verdade, que são superiores. Isso eu já havia notado, mas não de modo consciente.  Basta olhar, nenhum branco anda pelas ruas sem os seus óculos escuros. Símbolo de distinção social, sim, mas escudo contra os olhares dos pobres, pretos, mestiços, do meu - donosso - olhar esgueirarado, esganado.Anansiano.
Hoje, durante meu almoço, eu fui vítima de meu destino anansiano - você não sabe o que quero dizer? Estava eu comendo quando entrou umas senhoritas brancas, gente do sul, ricas provavelmente; corpos rosados, pensei. Meu olhar, de modo lasso, passeando pelo salão, se cruzou com o olhar azul de uma delas, e a reação foi imediata. Ela contraiu as sobrancelhas, repuxou os lábios e as bochechas, mostrou os dentes, de modo tão agressivo que eu parei com a carne de porco que mastigava esgulepadamente. Firmei o olhar! Ela endureçeu o dela como se raiasse com uma criança. Mas eu começei a rir desenfreadamente, o que a pertubou, ao que parece. Pois tudo que eu vi, em meio a meu espasmo, foi um corpo, caindo a bombordo, uns talheres e prato com beterabas voando a estibordo e uma platéia atônita pela impertinência de minha gargalhada bronca, de macho mestiço da fronteira, que ria com a boca aberta, alto, espantando os calangos que se aqueciam no sol do meio dia.


Ananse estava no mato, sentado sobre uma pedra. Havia terminado de cavar um poço. Mas não queria que a onça bebesse daquela água. Construiu um boneco e o untou com cola. A onça, muito esperta e entrona chegou e gritou com o boneco: "quero água". O boneco, como bom pedaço de panos e capim que era, ficou quieto. a Onça lascou-lhe a mão na orelha. A mão dela ficou pressa. Ela disse que ele a soltasse senão a outra mão "ia comer". Nada. La se foi a outra mão, o pé, o outro pé. A barriga. Toda grudada. Os animais de toda a floresta riam, gargalhavam estouvadamente. Ananse no meio deles.

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