sábado, 7 de novembro de 2009

Leitura: essa desconhecida


Professor Rafael,

Outro dia,

uma autoridade no mundo da História da leitura me disse algo mais ou menos assim: "a leitura é o reino do"...ele usou uma palavra difícil e bonita, como foi mesmo? Não me lembro. Deixa pra lá... (Bem se eu lembrar até o final, eu digo).
Depois de frustar o leitor com uma história que não foi até o fim, conto outra, pode ser? O Chiquinho vai ver nisso uma questão de forma, sei lá; mas a verdade é que esqueci, viu? Ela era minha frase de efeito. Agora tenho quer ir para o plano B.
O cubano Antonio Benitez Rojo disse que existem dois níveis de leitura: aquele no qual o leitor lê a si mesmo e um outro, quando o leitor lê o "texto"; começa a encontrar não o "texto", mas a leitura que o autor propôs para o que escreveu. O texto em sim, esse é desconhecido. Ninguém nunca leu
Não sei o que pode ser ou não verdade, como diria Drummond, "sou apenas um homem simples" e "sinto que não devia falar dessas coisas", mas me dei conta de algo novo nos meandros de minha história pessoal com a leitura.
Antes de tudo quero dizer que o primeiro livro que li foi a Biblia, e que eu fiz um fichamentozinho dela para mostrar do que um macho é capaz; a partir de então tenho lido muito, tentando alcançar os que estão na minha frente, neste momento, como o José Saramago e o Pepetela. Por isso mesmo sempre adorei Borges e suas história de leitores, como Pierre... Mas a Borges faltou algo. Faltou falar de uma experiência de leitura, quer dizer, um tipo de experiência com o texto, quer dizer, com o livro, quer dizer, com o suporte, sei lá... Vamos lá:

Todos que me conhecem sabem que eu li o livro Cien años de soledad de Gabriel García Márquez algumas dezenas de vezes de modo que o decorei, de verdade. Foi através do texto em português que me lancei na aventura que aprener espanhol 'sozinho', o que foi de muita serventia quando cheguei na Colômbia em 2005. Depois disso memorizei também o texto em espanhol de modo que às vezes só para "joder" eu declamava páginas inteiras para meus amigos espanhóis.
Os meus amigos sabem que eu sempre tive uma relação de amor e ódio com o Inglês, o idioma mais fácil do mundo. Estudei durante anos, fazendo corpo mole, me aproveitando de bolsas para estudantes pobres e de algum dinheiro que me sobrava. Depois que me casei, forçei a Sariza a me ensinar e fiz com tal desapego que nunca aprendi nada, nem o regimental "I love you". Mas algo mudou, nos últimos meses.
Quando vim para a fronteira me matriculei num curso de Inglês e estou aprendendo, me dedicando - bem, isso foi depois de me fuder na primeira avaliação, mas já é algo. No último final de semana, consegui na Net uma cópia de Cien años de soledad em Inglês e aí as teorias da leitura foram para a puta que pariu. O problema é que estou "lendo" o texto. Estou no segundo capítulo agora e me dei conta que essa experiência raia a loucura porque não sei se leio ou recordo.

Ah, lembrei a palavra - com o resto da frase - que o professor Vilalta disse, para minha completa insatisfação: "a leitura, amigo, é o reino do imponderável".

Senhores teóricos, sou todo ouvidos...

2 comentários:

  1. A está para a reportagem e para a literatura. No que concerne à primeira, é efêmera, vai-se logo. No que toca à segunda, se universaliza e ganha o tempo. Gosto da segunda característica. No que toca ao texto literário, gosto mesmo do susto, do desprendimento da linguagem, da variança do sentindo. É, sabe-se, pela diferença que irrompe o sentido; pela quebra do que é linear, por interromper o mesmo e obrigá-lo a tornar-se outro ou, ao menos, fazê-lo trilhar por outros caminhos. Essa operação que o autor instaura no interior do texto deixa marcas e, aí, é possível percebê-lo subjetivar-se; ponto de passionalização. Ao ler a crônica acima do Dernival tive medo. Medo de não perceber a variação; aquela inesperada no texto, mas costumeira nos escritos do autor. Deixo as outras questões, não que sejam menos importantes, para destacar o seguinte trecho: "o problema é que estou "lendo" o textio. Estou no segundo capítulo agora e me dei conta que essa experiência raia a loucura porque nãos ei se leio ou recordo." A meu ver, aqui o texto quebra, sofre virada, sai do campo d objetividade, da reportagem pura, ou do ensaio, não sei ao certo, e pende para a percepção interna do narrador, para o passional, para aquilo que não pode ser facil e univocamente respondido. Dernival é inquieto e dificil. Requer, certamente, olhares mais demorados acurados, mas o deixo por enquanto.
    Parabéns, brother.

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  2. Prof. Dernival,

    Primeiramente peço desculpas pelo atraso em ler sua postagem. Eu arrisco a dizer, no plano dos humildemente equivocados, que a relação com a leitura acrescenta também aquilo que o leitor deseja entender, e que está profundamente relacionado ao plano da mixórdia do racional-constituído-social-afetivo. Apesar de tentar, não sei até que ponto acredito na certeza de Gadamer em se chegar a um expoente comum que permita extrair da leitura de um texto uma proximidade com as idéias do autor, ou pelo menos das suas pretensas inspirações. Contudo, também não me sinto traído nem tampouco me deixo levar pelo simplismo de "tudo é texto" ou "tudo está no texto". Bom, aforismos à parte, é inevitável concordar que as tintas do texto emergem na folha de acordo com mazelas da experiência, da explosão de reações que vivenciamos e nem ouso dizer como se constituem nem onde desembocam (talvez no destilado), e que particularmente eu me torno parte de um texto e faço do texto parte da minha vida no momento em que sinto o impacto das palavras. Embora não saiba precisar em que ordem isto ocorra, e cada vez mais dionisicamente não me importo muito com "ordens no discurso"(trocadilho péssimo), vejo como perfeitamente compreensível seu modus operandi de joder com tudo a partir da construção da experiencia no texto. Afinal de contas, temos de temperar as tintas da nossa vivência nesse mundo brejo com alguma coisa, e para nós, a literatura é um opiáceo bem conveniente. Parafraseando Hesse e seu lobo, por muito tempo criamos em nós armadilhas para definir concretamente o que somos, quando somos e como reprimir as camadas de animalidade que insistem em joder com tudo, mas de fato, tudo não passa de inumeros eus que só precisam se confundir a animalizar. Mas, por fim, se temos de criar personagens para aliviar o peso de nossa existência nula, que sejam personagens de glória efêmera e de conduta infâme, para pelo menos sanar nossos instintos mais essenciais, que é basicamente,joder.

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